Vitória de ex-Real Madrid em tribunal europeu pode revolucionar o mercado de transferências

Uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) nesta sexta-feira (4), a favor do ex-volante Lassana Diarra, ex-Real Madrid, pode mudar os rumos do mercado de transferências mundial.
O órgão entende que o Regulamento da Fifa sobre o Status e Transferência de Jogadores (RSTP) infringe as leis europeias.
Este regulamento da entidade máxima do futebol prevê que uma equipe seja indenizada caso algum atleta rescinda seu contrato “sem justa causa”. Se esse jogador se juntar a um novo time, este clube seria o responsável pelo pagamento da indenização.
— Essas regras impõem riscos legais consideráveis, riscos financeiros imprevisíveis e potencialmente muito altos, bem como grandes riscos esportivos sobre os jogadores e clubes que desejam contratá-los, o que, em conjunto, é tal que impede as transferências internacionais desses jogadores. — justificou o TJUE.
Entenda o caso de Diarra, ex-Real Madrid
O caso de Diarra aconteceu em 2014, quando jogava pelo Lokomotiv Moscou. À época, o jogador reclamou que seu salário foi reduzido pelo clube e, semanas depois, descobriu que teve o contrato rescindido pela própria equipe.
O time russo alegou que o atleta faltou a treinamentos por problemas com o então técnico Leonid Kuchuk e pela recusa em aceitar a redução salarial.
Então, quer dizer que Diarra ficou livre de contrato? Na verdade, a Fifa não reconheceu a rescisão e obrigou o pagamento da indenização por parte do atleta.
Lassana até jogaria pelo Charleroi, da Bélgica, em 2015, mas a transferência só seria permitida se o jogador ou o clube belga pagasse o valor aos russos.
Após o ex-volante entrar em processo contra a organização, o caso chegou à Câmara de Resolução de Disputas da FIFA, em 2016, quando Diarra foi suspenso por 15 meses e condenado a indenizar o Lokomotiv em 10,5 milhões de euros — decisão ratificada pela Corte Arbitral do Esporte (CAS).
Processo entre Lassana Diarra e Lokomotiv Moscou, da Rússia, pode mudar o mercado de transferência do futebol como conhecemos.
Entenda 👇🏽
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— Trivela (@trivela.com.br) September 14, 2024 at 8:10 AM
O francês recorreu da decisão, contestando o regulamento de transferências da Fifa, e o caso chegou à decisão de hoje. Mas o que pode significar essa vitória de Diarra?
No que, exatamente, a decisão pode ‘revolucionar’ o mercado de transferências?
O normal seria a Fifa alterar as partes do regulamento que o TJUE entende como ilegais e, assim, manter seu controle válido na Europa. Mas a entidade ainda avalia os impactos desta decisão, sendo cedo para qualquer conclusão.
Um porta-voz da Fifa, em declarações publicadas pela BBC, pareceu confiante apesar da “derrota” na justiça. Ele alega que a decisão do tribunal europeu questionou apenas duas partes do regulamento e a decisão, na verdade, confirmou a legalidade do regulamento da entidade do futebol mundial.
— A Fifa está satisfeita que a legalidade dos princípios-chave do sistema de transferências foi confirmada na decisão de hoje. A decisão só questiona dois parágrafos de dois artigos do regulamento da Fifa sobre o status e transferências de jogadores. — disse.
No entanto, essa medida pode mudar a hierarquia das transferências no futebol mundial porque, se confirmado, os jogadores e agentes terão mais poderes para rescindirem os contratos de forma unilateral, enquanto clubes ficam menos resguardados.
Neste cenário, uma das soluções para as equipes seria fazer contratos curtos, já que vínculos longos poderiam ser quebrados se for desejo do atleta.
Advogado especializado em direito desportivo e sócio do CCLA Advogados, Cristiano Caús vê como prejudicial a decisão do tribunal, podendo beneficiar jogadores e empresários “mal-intencionados”.
— Essa decisão mexe num dos pilares mais significativos do sistema de transferências e também do sistema legal da FIFA: a sanção disciplinar. Ela é a base para impedir algumas condutas, como, por exemplo, não terminar um contrato de trabalho sem justa causa no meio de uma temporada. Entendo que toda regra tem exceção, mas uma lei não pode legislar para as exceções, portanto, no geral, a sanção disciplinar sustenta o sistema — explicou o especialista, emendando:
— A sanção para um clube é o transfer ban, mas para o atleta é a suspensão. Foi exatamente isso que essa decisão derrubou. Um atleta não poderia ser suspenso após rescindir contrato sem justa causa, e o novo clube também, de acordo com a decisão, não o seria. Isso abre um precedente que, a meu ver, é prejudicial, já que permitiria a atletas e clubes mal-intencionados driblarem os contratos vigentes e iniciarem uma nova relação sem estarem sujeitos a punições — finalizou.
Ainda é muito cedo e há mais dúvidas do que certezas, mas o impacto do caso é tratado como se fosse uma nova “Lei Bosman”.
Esta medida foi criada em 1995 a partir de um processo do belga Jean-Marc Bosman que permitiu que atletas deixassem seus clubes ao fim do contrato, além de outros pontos que deram mais poder aos jogadores.