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Eleição em São Paulo é decisiva para futuro da Portuguesa, que tem Canindé como ponto central

Sem divisão nacional, no segundo escalão do futebol paulista e com calendário esvaziado. Não faz muito tempo que a Portuguesa viveu este cenário, repetido quatro vezes desde 2018.

A derrocada do tradicional time da zona norte da capital paulista parece ter freado e se transformado em um cenário de otimismo com a permanência pelo terceiro ano na elite do Paulistão, o retorno da disputa da Série D do Brasileirão e a chance de disputar a Copa do Brasil em 2025.

A dívida da Portuguesa

Isso não quer dizer que tudo está bem. As dívidas que marcaram a última década continuam, hoje na casa dos R$ 570 milhões, valores que sufocam a Lusa e minam o futuro.

Então, como lidar com um passivo enorme e a necessidade de gastar em um futebol tão inflacionado? Para a gestão do presidente Antônio Carlos Castanheira, o projeto gira em torno da Real Sociedade Portuguesa de Desportos, o nome da SAF (Sociedade Anônima do Futebol) do clube, e a utilização do espaço do tradicional Estádio do Canindé.

Apesar de estar em momento avançado, incluindo com propostas recentes, a SAF Rubro-Verde pode ser atrasada por conta das eleições municipais de São Paulo.

Foi o que a reportagem da Trivela descobriu em uma visita ao clube no último mês, recebida pelo vice-presidente de comunicações Everton Calício para entender como anda o projeto para a Portuguesa migrar do modelo associativo ao profissional.

As propostas para SAF da Portuguesa

O vice-presidente de comunicações da Portuguesa, Everton Calício (Foto: Carlos Vinicius Amorim/Trivela)

Jornalista de formação, Calício mostrou cuidado em cada palavra para explicar a SAF da Lusa à Trivela durante entrevista na sala de reuniões do departamento de comunicação e marketing do clube.

O primeiro ponto é que existem propostas e atualmente estão em fase de diligências para entender o cenário financeiro da Lusa, que envolveriam, além do controle do futebol, a reforma do Canindé para uma arena e a concessão do local por um período determinado.

— O futuro da Portuguesa passa pela revitalização imobiliária do Canindé e por uma SAF, um investidor profissional compondo com o clube associativo, para que a Portuguesa possa ter dias melhores. Hoje estamos avaliando uma SAF futebol junto da questão imobiliária. Bem diferenciada do que aconteceu em SAFs de outros times no Brasil. — iniciou.

O diretor não quis detalhar o valor ou quais seriam as empresas interessadas, mas revelou uma recusa recente do clube.

No início de outubro, o Conselho de Orientação e Fiscalização da Portuguesa recusou por unanimidade uma proposta da Lion Capital, da Sportshub Brasil e do Grupo Águia.

O motivo para o “não” do órgão foi que o grupo pedia exclusividade de seis meses (podendo ser renovado por outros seis) após a assinatura, o que impediria de ouvir outras propostas.

Também neste mês, foi apresentada uma carta de intenções de fundo inglês disposto a investir R$ 1,5 bilhão em 30 anos no clube, segundo o jornalista Jorge Nicola, e um grupo de investidores, composto pelas empresas Tauá Futebol, XP Investimentos e Revee, interessados em aportar R$ 1 bilhão na revitalização do estádio, conforme publicou o Broadcast/Estadão.

Como ambos os projetos envolveriam o Canindé, é neste ponto que entraria a disputa eleitoral na capital paulista e o impacto na SAF da Lusa.

Eleição municipal pode atrasar planos da Portuguesa

O projeto imobiliário do estádio exige negociações e conversas com o poder público para aprovar a reforma.

Então, a Portuguesa pode ver uma mudança na Prefeitura como algo que atrase a revitalização do Canindé — caso a SAF envolva apenas o futebol, sem o imobiliário, não haverá problemas.

A corrida pela prefeitura está entre Ricardo Nunes (MDB), atual prefeito, e Guilherme Boulos (PSOL). O segundo turno do pleito acontece neste domingo (27). 

— Agora você tem um pleito municipal, bem acirrado […] e com certeza [influencia uma mudança na prefeitura], porque quando tem mudança de gestão, e aqui eu não estou apoiando A ou B, muitas coisas voltam a estar na estaca zero porque você tem aprovações que tem que passar pela prefeitura. […] Não que seja determinante 100%, mas tem um peso — apontou o executivo.

O Estádio Canindé, da Portuguesa
O Estádio Canindé, da Portuguesa (Foto: Ivan Storti/Santos)

Ainda não há uma previsão exata se a possível venda do futebol aconteceria neste ano ou no próximo.

No momento, o Conselho de Orientação e Fiscalização (COF) da Rubro-Verde realiza reuniões com a direção para debater detalhes da venda da SAF.

— Qualquer coisa que acontecer aqui no clube tem passar pela aprovação dos órgãos competentes: o conselho deliberativo, COF e Assembleia Geral. […] Não há um prazo [para virar SAF]. O que for melhor para Portuguesa tem que ser definido, mas a gente não pode se aventurar. Já temos nossos problemas, não precisamos criar mais — disse o VP de comunicações.

Lusa demorou demais a andar com a SAF?

Para trazer a visão de um torcedor ligado nas notícias do clube, a Trivela conversou com o jornalista Luiz Nascimento, colunista do ge e apaixonado pela Lusa.

Uma das críticas em relação ao projeto da SAF da Portuguesa foi a promessa da gestão atual, que garantiu que seria apresentado um projeto para compra do clube.

Na visão de Nascimento, isso é até pior do que a demora de quatro anos (tempo da presidência de Castanheira) e gerou desconfiança dentro do clube.

— Até entendo a demora em apresentar uma proposta. Não é um processo simples. O problema foi a diretoria passar mais de quatro anos prometendo que logo apresentaria. Gerou uma expectativa enorme e conduziu o clube e o futebol na certeza de que a SAF viraria. Isso, na minha opinião, foi pior que a demora em si. Criou um clima de desconfiança que hoje se converte em reprovação em vários setores do clube — explicou Luiz.

Agora com a carta de sinalização do grupo inglês, o jornalista torcedor não se empolga porque ainda não há nada oficializado e prega cautela.

— Só vou formar opinião quando uma proposta oficial for apresentada e divulgada amplamente. Nesse caso, é apenas uma carta de intenção. Foram feitos pedidos ao clube, de documentação a informações, para que formalizem uma proposta. Até lá acho precipitado tratar como proposta ou começar a analisar tomando como ponto de partida valores de uma carta de intenção — disse.

Nascimento ainda vê que faltam informações até do que é planejado pela diretoria, explicando que, por ser um ano de fim de mandato no clube, a divulgação de valores pode ganhar o apoio de parte da torcida.

— O próprio projeto da diretoria, na minha visão, ainda carece de uma divulgação mais ampla. Mas nesses momentos, de disputa política, é natural mesmo começarem a divulgar números para atrair apoio entre torcedores. Sobre esse projeto, acho apenas que são valores bem elevados, mesmo para um projeto que não envolveria apenas futebol. Algo quase inédito no futebol brasileiro. Ou seja, prefiro esperar uma proposta oficial — completou.

Luiz não é daqueles torcedores que temem que o “clube seja vendido”, comentário fácil sobre qualquer processo de venda de SAF no Brasil.

Ele entende que, para lidar com a dívida enorme do clube hoje, é necessária a “injeção de capital considerável” por conta do alto custo do esporte. Por isso, a SAF é uma das poucas alternativas para conseguir esse dinheiro.

— Esse dinheiro seria necessário para pagar as suas dívidas, que colocam em risco o próprio patrimônio do clube, como o estádio e o clube social. De outro, para conseguir fazer valer o fato de ter voltado à elite do Paulistão, permanecendo e obtendo ali vagas nas competições nacionais, e à Série D do Campeonato Brasileiro, em que precisa buscar subir para enfim ter um calendário nacional consciente. No caso da Portuguesa, mesmo com os riscos, não há muita alternativa — finalizou.


De onde vêm as dívidas?

O gigante passivo da equipe, que impede qualquer visão de futuro que não seja com um investidor externo, costuma trazer muitos problemas diários.

Hoje, por mês, a Portuguesa paga pelo menos R$ 400 mil só em dívidas, segundo Calício. Nos valores estão inclusas questões trabalhistas, tributárias e de impostos ao poder público, mas uma delas em especial é o grande problema.

— A principal é a trabalhista e traz mais problemas, porque elas são executadas e aí elas vão para leilão. É hoje o nosso calcanhar de Aquiles — expôs Everton Calício.

Foi exatamente por isso que o Canindé voltou a ser alvo de penhora, em julho desse ano, por uma dívida de pouco mais de R$ 70 mil de um ex-funcionário. O clube conseguiu celebrar um acordo e evitar maiores problemas.

Perfil da dívida da Portuguesa:

  • Provisão para Contingências (obrigações tributárias e ações nas esferas trabalhista e cível): R$ 478,2 milhões.
  • Contas a pagar a fornecedores e parceiros comerciais: R$ 99,7 milhões
  • Total: 578 milhões

Fonte: Balanço enviado à Federação Paulista de Futebol e assinado pela Eo7 Auditores Independentes Ltda

A casa do Lusa não ia a leilão desde 2021, quando foi firmado um acordo trabalhista que garantiu que a Portuguesa tivesse uma vida financeira mais sustentável e permitiu que o time voltasse a ser competitivo dentro dos gramados.

Isso está em risco agora pela mudança no acordo de três anos atrás, com a nomeação de um administrador judicial para entender a realidade financeira atual da Rubro-Verde.

Além desse problema com o estádio, a Justiça do Trabalho bloqueou, também em julho, a arrecadação da tradicional festa junina da Lusa, que chega a movimentar R$ 5 milhões por ano.

— Como que querem que um clube pague suas dívidas penhorando tudo da gente? Para nós é impossível, não tem como, um clube não para de pé. A Portuguesa não nega que deve e que tem os seus problemas, mas tem que ter uma situação factível para que o clube consiga estar de pé pagando suas dívidas, como aconteceu até agora pouco — desabafou o dirigente.

Show de Pericles na festa junina da Portuguesa
Show de Pericles na festa junina da Portuguesa (Foto: Reprodução/Lusa TV)

Hoje, além do futebol, a principal fonte de receitas da Lusa se concentra nos eventos e locações do Canindé, já que possui menos de mil sócios e não representam nem 5% do faturamento.

Em 2023, o clube faturou pouco mais de R$ 28,6 milhões, sendo quase metade vindo da utilização do espaço do estádio.

Receita da Lusa em 2023:

  • Futebol profissional e da base: R$ 18,6 milhões 
  • Utilização do clube social (eventos) e esportes amadores: R$ 10,1 milhões

Fonte: Balanço enviado à Federação Paulista de Futebol e assinado pela Eo7 Auditores Independentes Ltda

O planejamento para 2025

No próximo ano a Lusa pode enfrentar uma realidade inédita em oito anos. A última vez que o time disputou a elite do Paulistão, a Série D do Brasileirão e a Copa do Brasil foi em 2017.

— Vai ser uma situação muito diferente do que a gente vive hoje. Então não tem como pensar em usar a fórmula desses últimos anos. É planejar bem, saber o que quer e o que vai ser prioridade. Pode ser que a Portuguesa pegue todos como prioridade, até porque nesse meio tempo pode virar SAF, porque as conversas que elas estão acontecendo — afirmou Calício.

Só falta a vaga no mata-mata nacional, que pode vir com a ajudinha de outros rivais.

O gramado do estádio do Canindé, da Portuguesa
O gramado do estádio do Canindé, da Portuguesa (Foto: Dorival Rosa/Portuguesa)

Sonho com a Copa do Brasil

Considerando estar em “terceiro” na fila de vagas do Campeonato Paulista, por terem caído nas quartas em 2024, o clube precisaria que Palmeiras, Bragantino e São Paulo se classificassem para próxima Libertadores ou, se um deles falhar, Santos ou Novorizontino sejam campeões da Série B em 2024.

Tudo isso impacta, mas o otimismo é enorme e a projeção é de permanência no Paulistão, acesso à Série C e pelo menos a terceira fase da Copa do Brasil.

O planejamento do futebol, definindo a base salarial e como será a formação do elenco, ainda está sendo discutido pela diretoria, diz o vice-presidente de comunicações.

— [O investimento] vai depender muito de previsão de receitas. Já melhora bastante, claro, conseguindo uma Copa do Brasil, onde você tem só no jogo inicial de participação já tem de cara R$ 500 mil. E não só isso, há o aumento de cota do Paulistão também. Aqui a gente não faz loucura, foram essas loucuras que fez Lusa chegar nessa situação — explicou.

O projeto esportivo

Pintado foi quem comandou a Lusa no Paulistão histórico deste ano. Ele saiu para trabalhar no Guarani, mas já foi demitido e poderia voltar ao Canindé em 2025. Só que, aparentemente, esse não será o caminho.

Tudo aponta para que o jovem Alan Dotti, que estava no sub-20 no início do ano e depois levou a Lusa à semifinal da Copa Paulista com um time jovem e de pouco investimento, seja efetivado como o novo técnico para disputa do Paulistão no próximo ano. 

— A gente vê com bons olhos como o Alan está indo, uma boa revelação como técnico — disse Calício.

Em mandato até dezembro de 2025, o segundo sem possibilidade de reeleição para o terceiro, a gestão do presidente Castanheira espera que, até lá, a SAF esteja estabelecida e a Lusa caminhando para tomar seu lugar de direito no cenário nacional e estadual.



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