Promotor que pediu arquivamento em morte de são-paulino tem histórico de decisões favoráveis a PM

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) entendeu que foi “legítima defesa” do policial militar Wesley Carvalho Dias da Silva o tiro de “bean bag” (saco de feijão, em tradução livre) que matou o são-paulino Rafael dos Santos Tercílio Garcia, em 24 de setembro de 2023, e pediu para Justiça arquivar o caso.
Naquele dia, o São Paulo foi campeão da Copa do Brasil, e torcedores entraram em confronto com as forças de segurança durante a comemoração no entorno do estádio do Morumbi. Rafael, deficiente auditivo e empacotador, foi atingido na nuca, próximo do cruzamento das ruas Jules Rimet e Sérgio Paulo Freddi.
A decisão do MP foi publicada na última semana pelo promotor Rogério Leão Zagallo, da 5ª Vara do Júri do Tribunal da Barra Funda, que decidiu não denunciar o policial por entender que ele cumpriu o dever da função.
— Wesley não agiu de forma intencional ou imprudente, mas sim no estrito cumprimento de seu dever, utilizando os meios proporcionais e legítimos à sua disposição. O caso é de arquivamento. Não há como ser proposta ação penal em face de Wesley de Carvalho Dias, eis que ele claramente agiu em legítima defesa e em estrito cumprimento do dever legal. — justificou o promotor no documento, segundo o G1.
O entendimento de Zagallo é contrário ao das polícias civil e militar, que concluíram que o cabo Wesley agiu com negligência, imprudência e imperícia e o indiciaram por homicídio culposo (sem intenção de matar). A atuação do PM com a arma been bag, usada pela corporação desde 2021 para substituir as balas de borracha, foi contra os protocolos da fabricante da munição, que orienta que os disparos não sejam na cabeça.
A posição do promotor do MP-SP não foi aceita pela Justiça, que negou o arquivamento na última sexta-feira (11), mas não é um caso isolado na carreira do funcionário público em processos que envolvem letalidade policial.
O caso do são-paulino Rafael não foi o primeiro envolvendo morte de torcedores de futebol que Rogério Leão Zagallo atuou pelo MP-SP.
Em 2015, o promotor concordou que o PM Walter Pereira da Silva Junior deveria responder em liberdade pela acusação de ter sido um dos três autores de uma chacina de oito torcedores do Corinthians, membros da torcida organizada Pavilhão Nove.
À época, a decisão de Rogério surpreendeu a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, os policiais responsáveis pela investigação e a assistência da acusação, segundo o UOL. Chamou atenção também porque o PM Walter era acusado de participar de outra chacina que deixou 12 mortos em Carapicuíba, na Grande São Paulo, em 2013.
— Queremos o promotor fora do caso não pelo fato de já ter exposto, de forma pública, que compactua com ação policial ‘matadora’ e que apoia a promoção de execuções por agentes policiais, além de vangloriar a atitude letal da PM. […] Não confiamos em Zagallo! Você não nos representa! — escreveram as famílias das vítimas pedindo a saída do promotor no caso.
A Justiça acatou o pedido de liberdade e, em 2017, concluiu que não existiam indícios suficientes que Walter tivesse participado da chacina, que terminou com a condenação do ex-policial Rodney Dias dos Santos a 149 anos de prisão. Outros integrantes do caso nunca foram identificados.
Cerca de quatro anos antes do caso da Pavilhão, o funcionário do MP-SP causou polêmica ao atacar os defensores dos direitos humanos e dar uma “dica” a um policial acusado de matar uma pessoa em mais um pedido de arquivamento, diferente da interpretação da Polícia Civil, que pediu o indiciamento na época.
— Bandido que dá tiro para matar tem que tomar tiro para morrer. Lamento que tenha sido apenas um dos rapinantes enviados para o inferno. Fica aqui o conselho ao Marcos Antônio [Martins, policial civil acusado]: melhore sua mira. Para desgosto dos defensores dos Direitos Humanos de Plantão, [a vítima tinha sido morta] para a fortuna da sociedade — disse o promotor, segundo matéria do UOL.

Voltando ainda mais no tempo, em 20 de maio de 1997, três sem-tetos que ocupavam a Fazenda Juta, na zona leste da capital paulista, foram mortos durante uma reintegração de posse. Quatro policiais militares foram acusados, mas a defesa dos PMs e o Zagallo pediram o arquivamento por falta de provas.
Ele ainda apontou que poderia ter sido um erro a não utilização da tropa de choque desarmada na ação, como acontecia em situações envolvendo multidões, mas não houve intenção de confronto violento. Os acusados não foram levados a juri popular por isso e, em 1999, foram absolvidos pela Justiça.
— Não havia por parte dos milicianos intenção de enfrentar ou desafiar os sem-teto — justificou o promotor, segundo matéria da Folha de São Paulo na época.
As polêmicas de Zagallo em sua atuação no MP-SP não ficam só em casos de violência policial. Em 2020, ele pediu que uma mulher fosse submetida a júri popular porque ela sofreu um aborto ao tentar suicídio com veneno.
— [A mulher] manifestamente demonstrado nos autos assumiu o risco de causar a morte de seu feto, uma vez que sabia que estava grávida e, mesmo assim, ingeriu o aludido veneno, sendo ele a causa efetiva do abortamento — escreveu justificando o pedido. Em 2023, a Justiça absolveu a ré.
Outra polêmica aconteceu quando o promotor ironizou uma denúncia de homicídio com o envolvimento de dois homossexuais. Ao falar sobre a vítima, o descreveu como “homossexual cheio de entusiasmo, de ardor e de vivacidade”, que teria chamado outro homem, o réu, pela vontade de ser “penetrado”.
Segundo investigações, o assassinato teria acontecido porque o autor do crime não teve uma ereção para ter relações com a vítima. Zagallo também ironizou isso: “Irresignado com a malsucedida iniciativa do penetrante denunciado, Jeff [Jefferson Garbeline, a vítima] não se abichornou [acovardou] e, assumindo uma postura viril, começou a cobrar-lhe empenho para a reversão da derrocada”.
Ainda, para descrever o local onde os dois conheceram, Rogério definiu a boate como um local de pessoas “modernas e abertas a novas experiências, sobretudo aquelas ardentes e capazes de ruborizar aos mais indiferentes moais da Ilha de Páscoa”.
Zagallo acumula problemas por posts nas redes sociais
Os problemas do promotor do Ministério Público não estão apenas no exercício da função.
Nas redes sociais, ele já acumulou polêmicas, como quando, em meio a protestos na região da Faria Lima e Marginal Pinheiros contra a tarifa do transporte público, afirmou que arquivaria o processo se a Tropa de Choque, da Polícia Militar, matasse os manifestantes.
Apesar de apagar a publicação rapidamente, ele foi punido com censura pelo Colégio de Procuradores de Justiça do MP-SP e suspenso por 15 dias pela Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Janeiro de 2017, outro problema no Facebook. Reagindo a uma notícia de uma desembargadora acusada de relação com uma facção criminosa, Zagallo disse que, pela cara da mulher, ela poderia fazer faxina na casa dele após ser demitida.
Com a repercussão e as críticas, ele justificou que não foi preconceituoso, apenas “infeliz e irônico”. Com mais rigor do que da última vez, o CNMP o puniu com 30 dias de suspensão.

Em sua conta pessoal no Instagram, Rogério Zagallo ostenta publicações exaltando a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), batalhão de elite da Polícia Militar de São Paulo, e outras se posicionando contra o aborto.


A Trivela entrou em contato com o MP-SP solicitando uma nota sobre a atuação do promotor e o caso do torcedor são-paulino. Até o momento, não houve retorno. A matéria será atualizada assim que o órgão se posicionar.