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É impossível explicar a rejeição de Vini Jr sem passar pelo racismo

Cada jornalista convidado por uma revista francesa para escolher em ordem os dez melhores jogadores da temporada o faz por seus critérios próprios, e essa é a beleza do futebol. Cada um tem suas preferências, seus gostos, seus encantos, suas métricas, e ainda que a gente esteja falando de um recorte reduzido diversa e geograficamente — votantes são em maioria europeus e têm de escolher apenas nomes da elite do futebol praticado no continente —, isso não deixa de ser uma amostragem coerente com o que pensa a chamada, digamos, comunidade do futebol.

Dito isso, se Vinicius Junior não alcança pontuação suficiente para vencer o prêmio de melhor jogador do mundo, temos uma clara e evidente marca de rejeição. Se o protagonista, campeão de tudo e autor do gol do título europeu vestindo a camisa 7 do clube mais midiático do planeta não tem votos o suficiente para superar um volante sem nem ter Copa do Mundo na conversa, não há dúvidas: tem uma aversão no ar, óbvio.

E se há uma estrada de argumentos e razões para desprezar Vini, que seja por meio ou trocentos pontos, há o beco do racismo. Não existe ponderação possível, e a repercussão na mídia espanhola atesta isso, que não vá cair no comportamento do jogador, algo ali que possa gerar uma repulsa, uma preguiça, uma desconfiança de sua grandeza. Se quem vê futebol diariamente cultiva certo enjoo do brasileiro, fica impossível de explicar sem atravessar sua luta contra os insultos. Se diante de Vinicius há malquerença, ela tem cor.

E aí, nesse balaio, tudo é subtexto. É Rodri dizendo que sua vitória é uma vitória do futebol espanhol. É o comentarista falando da consistência do volante do Manchester City, da forma com que controla o jogo e se faz um dos melhores da posição com tamanha inteligência e conhecimento coletivo. É o perfil brasileiro de torcedor de rede social, constantemente tocado por rasos meninos clubistas, lembrando que o volante o faz sem tatuagem e com diploma universitário, olha só! É tudo racismo. Você pode debater se de início ou no caminho, se muito ou pouco, se explícito ou escapando no canto do discurso. Mas é.

Jogadores talentosos não convencem a todos, faz parte, e Neymar que o diga, antipático para os defensores, famoso por cai-cai, chato. É uma votação, afinal, e nessa segunda-feira após o segundo turno das eleições municipais ficou cristalino de novo o quanto não gostar de alguém pode ser muito mais importante do que ter um preferido. Podem achar Vini fominha, meio afobado para finalizar, um driblador pouco objetivo, podem dizer que preferem os meio-campistas, podem colocar a culpa no que virou o jogo depois de Pep Guardiola, esse campo decifrado enquanto ordem coletiva…

Pode alguém dizer que, olha, eu não acho que Vinicius tenha tanta bola assim, não posso? Por se tratar da estrela do esporte mais popular do mundo que mais sofre com racismo direto e reto, ali, da torcida rival em sua cara, e que comprou essa briga de maneira sem precedentes na atual conjuntura, e que rendeu até prisão, cadeia, quem diria, de racista de arquibancada… Infelizmente é simbólico, caro votante, que se os jornalistas deste tempo não saudaram Vini, eles se deixaram levar por essa bronca diante da postura do garoto, rapaz de 24 anos carregando um mundo nas costas.

Porque o jogador branco é inteligente, cerebral, organizador, estudioso; o preto é tratado como instintivo, força da natureza, e qualquer tapa a mais vai soar como deboche, despojamento. Um domina o jogo mental, o outro é folgado. E se a formação de jogadores é recheada de meninos não-brancos, onde eles estão enquanto técnicos, dirigentes, comentaristas, colunistas de sites e jornais? Por que não lhes é oferecido o mesmo espaço para pensar do que têm para correr e chutar a bola? O papo sobre Vini vai passar por aí, sempre vai, goste ou não. O futebolista da elite mundial que mais enfrenta os crimes racistas em série foi o melhor jogador da temporada e isso não bastou, porque careceu de empatia. Se a afinidade salta as placas e chega no extracampo, ela está atravessando o racismo, enfim.

Vale ainda dizer que os prêmios individuais no futebol foram exageradamente valorizados nos tempos de Messi e Cristiano Ronaldo, faz parte, eles vendiam informação e conteúdo como ninguém neste tempo. Mas também não faz sentido diminuir a cerimônia, muito menos negá-la: trata-se de um reflexo do momento, um eco possível, ainda que insuficiente, do que se pensa do jogo. Na bola das estatísticas, das estratégias e das regularidades, sobrou aflição de quem inventa e preferiu-se outra coisa, quem diria.

Nesse outubro de 2024, esses ventos negaram Vinicius, o que é frustrante em muitos níveis. Ao futebol brasileiro, era representativo voltar a ter um jogador querido de forma unânime pelo meio, tal qual Ronaldo, Ronaldinho e Kaká o fizeram pela última vez no início do século, dando um alento nessas duas décadas sem levantar o Mundial. Ao futebol europeu, seria digno celebrar o atleta estrangeiro que acaba jogado aos leões, rodada sim e rodada também, defendendo a camisa branca e mais cobiçada da Champions League, ao mesmo tempo que faz o que de melhor existe num campo, diverte e vai para cima, inventa, cria.

Ao futebol, e aí podemos incluir nós todos, conversadores, torcedores e peladeiros: ao futebol é decepcionante que Vini não tenha sido bancado para valer por conta da pior percepção possível, a que não se dá conta que o julgamento está mergulhado na discriminação racial. O melindre do prêmio não é descartável, pelo contrário, é relevante, é a síntese do que se quer e do que se firma. O que se pensa do Vini atacante do Real Madrid ultrapassa a ponta esquerda e se pensa, querendo ou não, do Vini que precisa botar racista na cadeia. Seguimos.



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